FORMA DE VIVER

FORMA DE VIVER
Quando descobri que estava com a doença de Parkinson, logo me vieram os pensamentos pessimistas que tomam conta dos enfermos, numa verdadeira tempestade, de distintas formas de dificuldades que as circunstâncias nos impõem em junção com o sofrimento do corpo. O duro é saber e acolher o que refutamos e jamais aceitamos e que, no entanto, nos torna passivos, e acatarmos sem reação contrária a essa tempestade de acontecimentos que contrariam, que frustram aspirações e desejos e até transformam nossos sonhos em pesadelos.
Retratei a aceitação e a ausência da resistência que as circunstâncias nos obrigam a aceitar, como se fôssemos dotados apenas de fraquezas. Mas fica óbvio que não é difícil acolher o que a ciência considera uma doença sem cura; também não é fácil refutar na mesma proporção o que somos obrigados a aceitar. Esse disse não disse, refutar e aceitar são designações com as quais nos confrontamos frente às adversidades impostas e aparentemente sem soluções.
É uma abordagem delicada e complexa, pois mexe profundamente com reações de sentimentos e resignações, frustrações, inquietações que por sua vez têm a capacidade de evoluir as fragilidades do corpo e levá-lo até mesmo à desesperança de viver. E não se lembrar que viver mesmo na doença ainda é a melhor forma de viver.
Agora complicou, pois explicar o que acabei de escrever é missão difícil para convencer quem está lendo minhas crônicas. Mas o que fazer se o que escrevi não quero apagar, quero reafirmar e com muita convicção. Para entender tal forma aleatória como a frase foi escrita, é sumamente necessário compreender o grau de intensidade que necessitamos atingir para começar a aceitar as mais difíceis situações que nos são impostas.
Para uma explicação mais convincente reporto uma pequena historia citada por Darly Conner, numa tentativa de explicar igualmente dificuldades provocadas por acidentes ou mesmo semelhante a minha. Conner lembra como um sobrevivente de uma explosão em uma plataforma de exploração de petróleo do Mar do Norte sobreviveu, quando cento e oitenta pessoas morreram, mas Andy Mocham sobreviveu.
“Mochan disse que correu da estação para extremidade da plataforma e pulou no mar, uma distancia equivalente a quinze andares, da plataforma até a água. Sabia que, devido à temperatura da água, sobreviveria no Maximo vinte minutos, caso não fosse resgatado. Além disso, a superfície da água estava em chamas. No meio da noite, Andy pulou os 45 metros, mergulhando em um mar de chamas e destroços.”
Quando lhe perguntaram por que optou por esse salto potencialmente fatal, Andy não hesitou: “minhas opções eram pular ou morrer queimado.” Ele escolheu a possibilidade da morte à certeza da morte.
Em meu caso, eu não tenho a possibilidade da cura; portanto não hesito em escolher viver e transformar a doença num salto para a vida. Ou seja, na impossibilidade da cura, a certeza da vida. E a certeza de transformar a situação de ameaça da vida, na possibilidade de melhor forma de vida.
Nisso é fundamental a concepção de que, quando estamos em situação adversa, o que mais nos prejudica não é a impossibilidade da cura, mas o fato de não acatar sua nova forma de vida. Numa agregação de valores negativos somam-se recusa, inquietudes, dor, ressentimentos provocando mais desespero e, ainda, acalentando o medo que por sua vez desperta o pior dos medos, o medo de ter medo.
Criar a possibilidade de melhor forma de vida, quando pressupomos que a perdemos, é uma aspiração tão forte no meu desejo que, não nego, traz em mim uma forte dose de ilusão. É justamente desse paradoxo que faço renascer minha vontade de transformar a convivência com a doença em minha melhor forma de viver a minha vida. Não tenho receio em afirmar que, ainda que confusa seja essa verdade, é necessário dizer visando ajudar os que desejam atingir os mesmo propósitos, que temos que iniciar criando sonhos, evocando ilusões e depois transformá-los em vontade própria para em seguida afirmar: “viver mesmo na doença ainda é a melhor forma de viver”.
Em Gênesis lemos que o homem não foi criado para ser escravo, mas para dominar sobre a criação. E aqui compete dizer com ênfase: primordialmente na doença... esta é sua grandeza e, algumas vezes sua infelicidade.

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