TREMOR


TREMOR
Desde adolescente sempre tremi. Era um tremor que eu achava normal e nunca me preocupei. Às vezes, comentando com amigos, obtinha como respostas “o mesmo acontece comigo” dizia um. Outro afirmava – não se preocupe é natural. Era tanta naturalidade nas respostas que me confortava.
Um dia, pensando, refletindo ou, talvez, sonhando acordado com as formas pelas quais tremia no decorrer da minha vida, fui enumerando meus tremores de acordo com a ordem que vinha, aleatoriamente, surgindo em minha lembrança. Pela primeira vez meus pensamentos levaram-me a recordações do passado em várias situações.
O meu primeiro tremor foi numa aula de matemática. Não havia estudado a lição. Nunca gostei de matemática. O professor chamava de acordo com critérios, que ele nunca esclareceu. Cada aluno chamado, eu tremia de medo ao pensar que o próximo poderia ser eu e, assim, sucessivamente numa expectativa que durava até o final da aula.
Outro tremor, que me lembro, foi ao ser designado como representante da turma no dia das Mães para fazer uma homenagem com a leitura de um poema. Acontece que sempre troquei o “v” pelo “f” o “p” pelo “b” e o “t” pelo “d”, assim ficava com medo de ler o texto e isso me dava um tremor, que começava nas pernas e ia até o juízo.
Um dos momentos, que mais me recordo de tremer, foi a primeira vez que me dirigi a uma garota para dançar. Tremi desde o momento em que saí da minha mesa em direção a ela, aproximadamente uns 20 metros. Eram passos curtos com tremor daqueles de dobrar os joelhos em cada passada. No curto percurso, tive vontade de retornar, mas as pernas não obedeciam aos movimentos de retorno. Assim, tive que seguir em frente. O tremor aumentava, à proporção que me aproximava da mesa. Falei o de praxe e fomos dançar. Não me lembro o que a orquestra tocava, mas que ela reclamou que eu mexia sem ritmo com a música. Disse a ela que era a minha primeira dança, e estava com medo. Ela, então, surpreendeu-me, debruçando seus dois braços sobre meus ombros, disse meu nome e me levou de salão adentro, arrastando-me como se estivéssemos patinando. O tremor saiu das pernas e subiu ao coração, que começou a bater mais forte. Era minha primeira dança e foi como se tivesse alcançado o ápice da satisfação. Aquele friozinho da barriga foi desaparecendo, dando espaço a uma nova vontade de me aproximar do corpo dela e dançarmos coladinhos. Era um novo desafio. Olhava o salão e observava a grande maioria dançando juntinhos. Um ou outro “levando macaco”. Esses eram gozados pelos colegas. Era uma menina esbelta, pescoço longo, cabelos curtinhos, tipo Rita Pavone, cantora em evidencia na época. Olhava para ela. Ela sempre evitava o confronto. A atitude inicial estabelecera limite. Então, arrisquei e a envolvi com os dois braços na cintura e esperei a reação. Veio de imediato. Sutilmente, deslizou suavemente seu braço direito pelo meu ombro até a nunca, fitou-me e encostou seu rosto no meu. Não mudei de par naquela noite.
Agimos em resposta a um determinado estímulo. De onde vem meu estímulo para tremer tanto? Se tivesse contado na minha adolescência esses fatos a uma psicóloga, numa análise mais acurada, esta iria, de uma forma ou de outra, condicionar a resposta pelas características apresentadas a uma das vertentes da psicologia, onde a emoção prevalece como fator primordial, ou seja, mediadora das ações. Se, no entanto, tivesse ido a uma clínica psiquiatra, sairia com uma bateria de exames a serem feitos, que aumentariam a tensão e, consequentemente, os tremores. Nunca fui nem a um, nem a outro. Os tremores, com o tempo, desapareceram e, hoje, são recordações que classifico de coisas ocorridas no passado.
Outra lembrança agradável aconteceu em uma das minhas idas a Fortaleza para visitar a namorada. Éramos dois jovens, e duas vidas, mas começávamos uma só história, construída pelos dois em que revezávamos como protagonistas de uma única história. Após dias em Fortaleza, sem vontade de voltar, andando pelo centro da cidade de mãos atadas, ela perguntou simplesmente – está tremendo? Não sei até hoje a resposta, ou melhor, não me lembro, mas tenho uma certeza de que nos meus melhores momentos de alegria sempre tremia. Mas era um tremor de ocasião, que chegava e retornava sem saber quando voltaria – provavelmente, na próxima emoção.
Hoje, meus tremores são permanentes e não me obedecem como os de antigamente. Vêm de um sujeito, instalado dentro de meu cérebro, com nome pomposo de Parkinson, que eu já o apelidei de “Palhares” . É literalmente diferente dos outros tremores provenientes de emoções ou receios de adolescentes e não destruíam nada. Este é avassalador, que, talvez, em função de sua capacidade degenerativa, muitas pessoas acrescentam o prenome “mal” antes do seu nome.
Hoje, aos 62 anos, envolto aos meus pensamentos, sinto minhas mãos tremendo. Quanto mais olho, mais tremo, numa sequência desordenada e descompassada que se tivesse batendo qualquer instrumento musical os acordes sairiam, com certeza, tão desafinados que até um surdo notaria a distorção. Mas o mais importante não é o resultado da sinfonia desafinada, mas a reação em que você aprende a administrar a situação, saindo de uma aparente situação desastrosa para uma satisfação de prazer ao saber que, apesar de toda a adversidade, você ainda é o comandante do seu corpo. Como é bom esse sentimento de sentir o controle da situação, de transformar em sabor de alegria o que momentos antes era angústia. Esse processo de transformação acontece quando aprendemos a reconhecer as características da doença, não como uma ameaça, mas permitir que atuemos sobre a mesma emoção de forma construtiva.



Comentários

  1. Adorei o texto, muito divertido e espirituoso. A mensagem que passa é a que temos que enfrentar nossas limitações e procurar viver a vida da melhor maneira possível, pois todos temos que superar barreiras, umas maiores outras menores e a forma de encarar as dificuldades faz toda a diferença. Continue assim. Abraço! Janiara.

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