O SOL E O VARAL
É
bom acordar e ver o sol brilhar, mostrando os primeiros raios sobre a fresta
quebrada da janela, formando o desenho da fresta sobre o chão. É o primeiro
sinal de Deus. Uma pequena luz refletindo no piso do meu quarto. E ainda existe gente que não acredita em Deus. Ainda, atribuem minha doença à vontade de
Deus. Com certeza, tem gente para tudo e, ainda, sobra muito espaço. Sobra espaço para ajeitar a fresta da janela,
mas se fizer isso deixo de ver e ter a alegria de pisar na luz de Deus e saber
durante seis meses do ano a hora sem a necessidade de digital.
A
luz sumiu do chão, o sol já se foi para iluminar outras frestas e lembrar que
Deus existe nesta pequena luz. Lembrar que apesar de saber que tenho pessoas zelando
pela minha doença e tomando conta de minha própria felicidade. Tenho eu mesmo que
conduzir a minha fé.
Mudo
de cenário, vou ao quintal, olho o varal e contemplo as roupas lavadas e
dependuradas. Em cada uma, uma história, um gosto, uma cor, uma moda, uma vida
e, no meu caso, uma doença progressiva e degenerativa, por isso estou me
acostumando a dizer: mais um dia para administrar a degeneratividade do meu cérebro.
Como faço isso? Em cada roupa procuro
lembrar o que construí, assim como o supersticioso que veste sempre a mesma
roupa que venceu a partida anterior. Não
olho para trás. A roupa já foi lavada e levou o que fiz de errado. Olho para o
varal e vejo, na roupa lavada, muitas coisas já realizadas nessa luta contra o
Parkinson e muita coisa em cada roupa. Em cada camisa um novo dia, um novo
desafio que, ainda, falta ser vencido.
O que quero fazer entender é que estou conseguindo
problematizar e construir um mecanismo que tem me proporcionado vestir, cotidianamente,
uma nova camisa sem, contudo, ser uma
camisa nova. Mas para um novo dia uma camisa lavada de preferência, tirada por
mim do varal. Faço desse simples ato uma reflexão, uma filosofia para o dia e
um dia de labuta com prazer. Descobri que tirar a roupa do varal é uma ação prévia
ao ato de retirar a mesma roupa do guarda-roupa, mas com uma grande vantagem: o
pensar.
Essa ação começou por recomendação da minha
fisioterapeuta Drª Giordana Fontes Gomes que, além de ter uma preocupação voltada para o corpo, incentiva
a filosofia da alma como atenuante ao corpo. É a fragmentação do corpo em duas
partes: fisiológico e psicológico, fundamentado na ideia de que o afastamento emocional é
facilitador da objetividade que acompanha a competência para a cura.
Ver a luz do sol pela fresta da janela,
refletindo no chão todos os dias, é saber valorizar a repensar a própria
prática cotidiana e construir um novo dia com Mr. Parkinson. Se não tenho
controle sobre os acontecimentos e não posso mudar, posso, no entanto,
administrar os fatos consequentes e amenizar seus resultados negativos e aperfeiçoar
as oportunidades.
Deus, meu Pai, obrigado por este novo
dia.
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