CONTOS
A FILA DO SUS
São O4: 00 da manhã, desde as
primeiras horas da madrugada estou na fila do hospital para receber uma ficha e
ainda tenho que entrar em outra fila, para ser atendido por um médico, não sei
se é bom, mas se estudou 06 anos deve saber alguma coisa, a gente tem que
confiar neles é o que o governo bota pra gente.
A fila tem pra mais de 200 pessoas, comentei aos que estava em meu entorno. Na
frente duas jovens e atrás um senhor e um rapaz, todos haviam chegado mais ou
menos na mesma hora, ainda vi as duas descendo do ônibus. Duas meninas bonitas.
Ao me aproximar delas fui perguntando: são de Natal? - Sim. Moramos na
periferia de Natal. Senti que ela notou que fiquei sem entender. Observei
também que algumas pessoas na fila, quis ajudar. Foi quando a menina também
percebeu e explicou:
- Periferia são os bairros mais afastados do centro, nas cercanias das cidades, bairros pobres e desprovidos de quase tudo, inclusive transportes e serviços a começar pelos serviços de saúde. Temos um posto de saúde, no entanto, não têm médicos. Quando aparece falta mais do que trabalham, alegam que são mal remunerados. Mas é dotado de boas instalações, porém sem zelo, quando quebra alguma coisa fica quebrado, não existe iniciativa.
- Periferia são os bairros mais afastados do centro, nas cercanias das cidades, bairros pobres e desprovidos de quase tudo, inclusive transportes e serviços a começar pelos serviços de saúde. Temos um posto de saúde, no entanto, não têm médicos. Quando aparece falta mais do que trabalham, alegam que são mal remunerados. Mas é dotado de boas instalações, porém sem zelo, quando quebra alguma coisa fica quebrado, não existe iniciativa.
- Meu nome é Manoel, Manoel da Silva, moro também
nesse nome que você disse. Meu bairro é distante, lá em Guamaré, pego dois
ônibus, como trabalho no centro da cidade, estou reformando um prédio pertinho
do Grande Ponto.
-Trabalha como pedreiro?
- Sou quase Mestre de Obra. Disse orgulhoso.
Já tenho 20 anos de construção civil, faço encanamento e eletricidade.
- Eu não gosto de ser doméstica, mas só encontro
assim. Tenho estudado para o vestibular, é o quinto que tento sempre na
Federal, e o ENEM fiz duas vezes.
- Se eu pudesse lhe ajudar, mas só sei assinar meu
nome. Quando menino morava no sertão do alto oeste, onde chamam da tromba do
elefante. Posso dizer com suas palavras bonitas na periferia do estado.
- Como é o nome da Cidade?
- Marcelino Vieira. Gosto de ir lá todos os meses,
meus pais moram lá. Tenho uma filha de um relacionamento que tive.
- Eu também tenho uma filha, gostei do
rapaz e no relaxamento nasceu Mônica.
Linda, o pai nunca assumiu, hoje está com 08 anos.
- E você?
- E você?
- Tenho 30 anos.
- Tenho 50. Moro sozinho, nunca encontrei uma pra
dá certo, tenho casa própria, um carro usado, e trabalho fixo há 10 anos numa
construtora e o único vício que tenho é o América, quando posso vou até aos
treinos. Vou sempre os jogos em Goianinha.
- Também sou torcedora do América. É a única
fila que gosto de ficar e também são
meus momentos de maior alegria, mais quando
o América perde fico um misto de tristeza e alegria.
- E você fica em outras filas?
- Vivo de fila. É a sina dos pobres. Quando
sair daqui vou para Unicat. Fila para receber os remédios de meu pai. São cinco
remédios, se fosse comprar o salário da família junto não dá para pagar.
- Qual a doença dele?
- Parkinson, as pessoas chamam de mal de Parkinson.
Uns dizem também que é a doença do
Inglês. Não entendo por que.
- Será que é uma doença vinda da Inglaterra?
A menina da frente explicou ao ouvir – é o nome do
médico Inglês que descobriu a doença. James Parkinson.
Manoel respondeu: - nome bonito tem esse Inglês. E
perguntou: essa fila é para médico dessa doença?
Mônica respondeu – sim aqui todos ou são doentes de
Parkinson ou tem familiares com Parkinson. Por isso só tem em sua grande
maioria idosa.
- Parece que é doença de velho?
- O médico falou a meu Pai, uma palavra, deixe ver
se me lembro. Prevalência, taí prevalência, agora me lembro, doença acima de 60
anos em média, foi o que o médico falou.
- Eu fico muito impressionado com doença, nunca tive nada, mais meu Pai, apareceu com essa doença e me disseram que é de Pai pra filho. Ai eu vim. Negócio de hereditariedade. Tive medo e vim logo. Não sabia que tinha essa fila. Governo não liga para pobre, se ligasse acabava com isso.
- Eu fico muito impressionado com doença, nunca tive nada, mais meu Pai, apareceu com essa doença e me disseram que é de Pai pra filho. Ai eu vim. Negócio de hereditariedade. Tive medo e vim logo. Não sabia que tinha essa fila. Governo não liga para pobre, se ligasse acabava com isso.
- Você tem a formula mágica? Não precisa vara
de condão. Precisa de vontade política. Tenho um engenheiro chefe que diz: quer
resolver um problema procure a opinião dos afetados. O governo para resolver
faz o contrário é seminário com médico, assistente social, enfermeiros, mas não
nos consulta. Somos nós que vivemos o problema. Pergunte quantos médicos tem aqui,
quantos sociólogos, assistentes sociais. São mais de 200 pessoas nesta fila e,
no entanto, prevalece a opinião do medico, do sociólogo, muitas vezes não dizem
nem a opinião, mas a conveniência deles.
De repente uma senhora de braços trêmulos, aproximadamente 60 anos começa Glória ao Pai ao Filho... É o começo do terço, é comovente, é fé varando a madrugada. Ave Maria, cheia de Graça..., quase todos responde Santa Maria... Nunca tinha visto isso antes. No fim a Oração de São Bernardo. São pessoas simples, estão ali aguardando a primeira ficha. Depois é ficha para exames, é ficha para internação, é ficha para remédios. Observação não tem ficha para alimentação, mas há solidariedade na fila, um distribui o que tem; outro troca e oferece ao colega. São pessoas com mais de 60 anos, é a experiência da vida, é o amargo da vida é a vida cantada e declamada na canção de Gonzaguinha, aqui nesta fila não há lugar para Boemia, mas de vez em quando passa alguém com uma pitada de cachaça, outro traz amendoim, um limão despedaçado, espremido, mas ainda aproveitado, cai o ultimo sumo, é a madrugada da fila do SUS.
Paro em um senhor doente de Parkinson. Pensei! Que tremia muito, mas não era de frio, o tremor natural da doença e ao seu lado outro senhor, que dizia ser mais novo, mas tinha uma aparência de velho. Contava sua história, e afirmava o pior de tudo era quando chegava em casa, que a mulher resmungava: chegando agora da farra! Abra a boca!!! Ele abria, cheirando a cachaça, era difícil explicar que havia tomado uma dose na fila. Não acreditaria se contasse, eu apenas dizia resmungando a mim mesmo o dia dela vai chegar. Quando foi um dia estava em crise, rigidez muito elevada nas pernas, lentidão alta, nem andar eu podia. Remédio acabando precisava renovar a autorização com o médico. Ela então com olhar muito sério pegou na minha mão, e com a voz mansa disse: deixa que hoje eu vá em seu lugar, quero ver como é essa fila do SUS.
De repente uma senhora de braços trêmulos, aproximadamente 60 anos começa Glória ao Pai ao Filho... É o começo do terço, é comovente, é fé varando a madrugada. Ave Maria, cheia de Graça..., quase todos responde Santa Maria... Nunca tinha visto isso antes. No fim a Oração de São Bernardo. São pessoas simples, estão ali aguardando a primeira ficha. Depois é ficha para exames, é ficha para internação, é ficha para remédios. Observação não tem ficha para alimentação, mas há solidariedade na fila, um distribui o que tem; outro troca e oferece ao colega. São pessoas com mais de 60 anos, é a experiência da vida, é o amargo da vida é a vida cantada e declamada na canção de Gonzaguinha, aqui nesta fila não há lugar para Boemia, mas de vez em quando passa alguém com uma pitada de cachaça, outro traz amendoim, um limão despedaçado, espremido, mas ainda aproveitado, cai o ultimo sumo, é a madrugada da fila do SUS.
Paro em um senhor doente de Parkinson. Pensei! Que tremia muito, mas não era de frio, o tremor natural da doença e ao seu lado outro senhor, que dizia ser mais novo, mas tinha uma aparência de velho. Contava sua história, e afirmava o pior de tudo era quando chegava em casa, que a mulher resmungava: chegando agora da farra! Abra a boca!!! Ele abria, cheirando a cachaça, era difícil explicar que havia tomado uma dose na fila. Não acreditaria se contasse, eu apenas dizia resmungando a mim mesmo o dia dela vai chegar. Quando foi um dia estava em crise, rigidez muito elevada nas pernas, lentidão alta, nem andar eu podia. Remédio acabando precisava renovar a autorização com o médico. Ela então com olhar muito sério pegou na minha mão, e com a voz mansa disse: deixa que hoje eu vá em seu lugar, quero ver como é essa fila do SUS.
Pela manhã, ela chega calada, triste, mas se
aproxima de mim com um sorriso, me dá um beijo, vejo duas lágrimas, uma em cada
face. Ela me abraça e diz, desculpe, não sabia que rezava o terço na madrugada,
não sabia, que tinha tantos amigos na madrugada. Mas sempre soube que tinha um
marido maravilhoso.
Lá no final da fila o assunto era futebol, em evidencia o Cruzeiro com seu futebol alegre e eficiente. Quando falava em Serie B, logo o América e o ABC acirravam as vozes acordando alguns que conseguiam dormir, resmungavam para eles mesmos, sem, no entanto, reclamarem. Quando mudavam de assunto era outra polemica, pois a variações das conversam tendia para religião ou política. Mais ou menos no meio da fila outro grupo se destacava; eram os que gostam de jogo. Uma hora, era porrinha, outra ora, dominó e até um pequeno gamão de vez em quando aparecia. Nessas intercaladas, principalmente, os mais jovens a ocupação era com as redes sociais, com os manejos dos dedos refletindo não apenas a habilidade, mas o vicio com os aplicativos e as novas formas de comunicação.
Lá no final da fila o assunto era futebol, em evidencia o Cruzeiro com seu futebol alegre e eficiente. Quando falava em Serie B, logo o América e o ABC acirravam as vozes acordando alguns que conseguiam dormir, resmungavam para eles mesmos, sem, no entanto, reclamarem. Quando mudavam de assunto era outra polemica, pois a variações das conversam tendia para religião ou política. Mais ou menos no meio da fila outro grupo se destacava; eram os que gostam de jogo. Uma hora, era porrinha, outra ora, dominó e até um pequeno gamão de vez em quando aparecia. Nessas intercaladas, principalmente, os mais jovens a ocupação era com as redes sociais, com os manejos dos dedos refletindo não apenas a habilidade, mas o vicio com os aplicativos e as novas formas de comunicação.
Chegando em casa, sentei em minha cadeira
predileta, antiga cadeira de balanço com assento de palhinha conhecida como
cadeira da Gerdau, liguei o rádio para escutar meu programa esportivo. Penso,
olho a casa, apesar de arrumada, penso alto: Essa casa falta alguém. Pela
primeira vez observa a casa. Uma sala ampla, jardim interno, sala de tv e
um escritório, na verdade um birô com plantas de construção e material. Uma
suíte e um quarto e cozinha, um quintal e entrada de serviço com garagem, onde
mantinha um gol 2008. Peguei o celular e quando resolvi ligar os primeiros
acordes da música de Chico; Pedro Pedreiro começava a tocar. Então, leio no
visor o nome Mônica. Uma voz apreensiva avisa. Estou aqui fora. Ele abriu a
porta Mônica e sua filha, estavam no portão de mãos data. Ele olhou, sorriu e
convidou para entrar.
- Perguntei ao médico seu diagnóstico. Papai não resistiu morreu do coração, não temos para onde ir. E sei que você vai precisar de uma cuidadora, minha filha precisa de um Pai, e eu preciso de você e essa casa de nós dois. Papai dizia que casa é o símbolo da família, e essa casa ainda não tem família. Precisa de uma.
- Sim, eu também preciso de você. Abriu a porta, estendeu a mão e foi mostrar a casa. Mostrou o quarto da menina, em seguida levou Mônica ao seu quarto, acendeu uma vela deixou a luz clarear o ambiente, depois acendeu a lâmpada.
- Temos uma família. Chamou Regia, e foram para mesa. Foi o primeiro jantar da família. Mônica pediu licença foi no quarto pegou a vela e colocou na mesa.
Dias passaram e não esqueci a fila que tive de submeter-se, e permaneci tempos e tempos, a balançar na cadeira pensando no retorno a fila do SUS. Teria que conviver com ela para sempre. Pois, se trata de um custo muito elevado a minha condição de vida. E a aquisição por conta própria do medicamento, o preocupava. Pois, como faria quando faltasse o remédio? Sabia dessa possibilidade pela imprensa. A vida cotidiana esta cheia de atos da irresponsabilidade publica, ações contra um segmento tão importante como a saúde publica que ampara os doentes e idosos e dentro dessa conjuntura os doentes de Parkinson. Pensei! Pensei! Traz-nos à sina da fila, mas trazemos o gene da esperança. E da esperança nascem às ideias, e das ideias um plano de mudança de relação passiva, para uma relação de cidadania. Chamei Mônica e compartilhei meu pensamento. Ela foi objetiva e afirmou:
- Perguntei ao médico seu diagnóstico. Papai não resistiu morreu do coração, não temos para onde ir. E sei que você vai precisar de uma cuidadora, minha filha precisa de um Pai, e eu preciso de você e essa casa de nós dois. Papai dizia que casa é o símbolo da família, e essa casa ainda não tem família. Precisa de uma.
- Sim, eu também preciso de você. Abriu a porta, estendeu a mão e foi mostrar a casa. Mostrou o quarto da menina, em seguida levou Mônica ao seu quarto, acendeu uma vela deixou a luz clarear o ambiente, depois acendeu a lâmpada.
- Temos uma família. Chamou Regia, e foram para mesa. Foi o primeiro jantar da família. Mônica pediu licença foi no quarto pegou a vela e colocou na mesa.
Dias passaram e não esqueci a fila que tive de submeter-se, e permaneci tempos e tempos, a balançar na cadeira pensando no retorno a fila do SUS. Teria que conviver com ela para sempre. Pois, se trata de um custo muito elevado a minha condição de vida. E a aquisição por conta própria do medicamento, o preocupava. Pois, como faria quando faltasse o remédio? Sabia dessa possibilidade pela imprensa. A vida cotidiana esta cheia de atos da irresponsabilidade publica, ações contra um segmento tão importante como a saúde publica que ampara os doentes e idosos e dentro dessa conjuntura os doentes de Parkinson. Pensei! Pensei! Traz-nos à sina da fila, mas trazemos o gene da esperança. E da esperança nascem às ideias, e das ideias um plano de mudança de relação passiva, para uma relação de cidadania. Chamei Mônica e compartilhei meu pensamento. Ela foi objetiva e afirmou:
- Vamos transformar a fila do SUS em um
“FORUM DE CIDADANIA.
- Sim, você fala nomes bonitos, e se esse nome
significa possibilidade de mudança, então sim. Mas como criaremos esse fórum?
- Vamos ter muito trabalho, e temos que começar
mostrando a eles há necessidade de um conhecimento mais consistente de
cidadania, para em seguida emancipar-se evoluindo para “FORUM.”
- De onde você tirou essa ideia?
- Antes de saber que estava doente, a razão
de minha vida era eu mesmo e o foco era meu trabalho. Veja como minha vida
mudou. Hoje tenho você que chegou tão subitamente como a doença e entrou
no meu coração e tomou posse, assim como o Inglês tomou conta do meu cérebro.
Esse tenho, que aprender a conviver com ele, e creio que vou sempre rejeita-lo,
e você conquista-la. Portanto o amor e o ódio dentro de mim. Dois sentimentos
totalmente contraditórios. Esse último um ato involuntário, portanto, não é
fruto de uma escolha. No coração a certeza absoluta de que preciso de você; no
cérebro um intruso mais impregnado que rocha; no coração um olhar novo
descobrindo e construindo uma família; no cérebro uma mente alucinada que não
absolve a doença. Essa é minha nova vida.
- Percebo em você uma essência na qual externa seu
próprio conhecimento, que infelizmente, você subestima. Apesar disso, você
renova sua cultura que produz novos conhecimentos e gera em você ideias
maravilhosas, como fazer da fila do SUS, um Fórum. Eu acredito em você.
PASSANDO A CHUVA
Tarde nublada, o sol não dera a graça de seu brilho. O céu não tinha o azul das tardes evidenciadas nas narrações de Fiori Giglioti, no entanto, era um final de tarde encantador. Na ausência do sol, que contrariou o tempo, surgia a lua, e lua cheia em toda sua plenitude, trazendo consigo as lendas dos belos finais da tarde.
De repente, no sair da tarde sem a luz do sol e no entrar da noite com o brilho da lua, o telefone toca... toca... toca. Costumo deixar chamar três vezes, para depois atender. Antes de fazê-lo, olhei no visor para identificar, estava escrito “sem nome”. Coloquei na base acima do relógio digital que marcava 18h30min. Então, meu bolso toca... toca... toca. Retiro do bolso, olho o visor “sem nome”. Novamente, insisto não atender. Novamente insiste em me ligar. Dessa vez, atendo. Uma voz rouca e mal balbuciada pergunta:
Penso rapidamente: esta é uma pergunta que não se faz ao telefone porque, supostamente, quem telefona sabe com quem quer falar. Faço uma longa pausa e em seguida pergunto:
- Deseja falar com quem?
- Não sei.
- Como não sabe? Liga sem saber com quem deseja falar!
- Não sei o nome da pessoa, mas sei com quem desejo falar?
- Com quem?
- Com um parkinsoniano. Fui informado que esse telefone pertence a um doente de Parkinson.
Fiz uma longa pausa, pensei, olhei a lua pela janela e, no lugar de São Jorge, vejo dois parkinsonianos conversando, então, decido atender. Minha fértil imaginação funcionando, há quem diga que é efeito do sifrol. A ligação cai. Procuro na memória e, com certa ansiedade, retorno a ligação. O telefone chama... chama... chama. E, ninguém atende. Fico deduzindo os motivos. Problema na operadora ou no aparelho. Liguei errado! É difícil assumirmos um erro. Sempre achamos que o problema é dos outros. No entanto, raramente, temos a solução e recorremos aos outros em busca de ajuda. É pelos outros que aprendemos as nossas necessidades emergenciais.
O celular volta a tocar. Antes de atender, olho o visor é a mesma informação “sem número”. Não entendo. Deve ser a mesma pessoa. Não entendo, porque mantém omisso o número. Mudo de ideia e decido atender. Dessa vez, uma voz feminina suave e aguda, formando nos contrastes uma tênue voz saudável de escutar, pausadamente pergunta:
- Foi daí que ligaram para Rogério?
Associei a conversa anterior com a ligação que fiz e confirmei.
- Sim.
- Meu irmão quer falar com um parkinsoniano que reside neste endereço.
- É com ele que está falando. Meu nome é Milton e tenho Parkinson. Seu nome, por favor. Gosto de saber com quem falo. Digo mais pausadamente que de costume. E, de imediato, uma longa pausa sem ambos desligar os celulares. Numa mistura de timidez com proativdade, escuto.
- Meu nome é Cristina Maria, sou irmã de Rogério. Hoje, sou irmã, Mãe e cuidadora. Ele é separado e como não tem filhos, da família sou a mais próxima e cuido dele.
- Por que omitem o número do celular?
- Porque ele é muito tímido e tem vergonha de se identificar sem conhecer as pessoas. Tem muito problemas de relacionamento. Hoje, não gosta nem de receber os amigos. É o dia todo na rede, até o vício de viver jogando no computador ele deixou. Estou cada dia mais preocupada com a situação, pois está se deixando abater-se pela depressão.
- Quanto tempo faz que está em crise?
- Desde o último clássico América x ABC, que ele não reage. É como se tivesse hibernado. Já fiz de tudo e não consigo a menor reação. Ultimamente, deixou de ir ao médico e a psicóloga que, em consideração a amizade, tem vindo visitá-lo. E nem a recebe. Aconselham-me tudo e tudo já fiz. Mandei rezar missa, já fui a culto, terreiro de santo, macumbeiro, sessão espírita, vidente, promessa a todos os santos e nada muda. Ajude-me!
- Quem informou a você que eu posso ajudá-lo?
- Falaram que existe uma Associação de Parkinsonianos e o senhor é o Presidente.
- Obrigado. É com emoção contida na garganta que consigo pronunciar obrigado.
E repeti inúmeras vezes, foram tantas que não escutava a voz de Cristina. Estava surpreso, emocionado e sensibilizado. Novamente, da janela avistei a lua, que ainda não havia saído da visão da janela. É minha alegria, alegria de lua cheia. É a lua cheia que não responde só aos namorados, talvez seja porque não olham com a mesma convicção de, além de São Jorge, ver outras coisas.
Então, ela pergunta:
- Que devo fazer?
Com a pergunta entendi que ele não estava sozinho. Uma irmã, que também é cuidadora, estava permanentemente ao lado. Então, inicialmente, sugeri a ela a dizer de uma forma que ele compreendesse a diferença de estar sozinho e se sentir sozinho. Optei por essa orientação pelo fato da minha família sempre estar próximo de mim, cuidando para que eu não me sinta sozinho. Quanto mais esse sentimento de se sentir sozinho cresce, mais temos receio dos outros. Essa contestação toma uma dimensão maior, quando a família considera o confinamento normal, ou até mesmo um descanso para o doente. Pensei, eu afirmando isso, como fosse um profissional da área médica. Bem, posso estar errado, mas é minha experiência com a doença. É com minha experiência que posso ajudar. A Associação é uma maneira coletiva de vencer os problemas, para tanto, foi fundada, mas ainda não adquiriu personalidade jurídica que é outra batalha a ser vencida. E, com certeza, necessito da sua ajuda. Hoje, sou duas pessoas, uma jurídica e outra física. A pessoa física quer conhecê-la, a pessoa jurídica precisa de você. Precisamos de pessoas como você.
- Eu ligo precisando de você, e você diz que precisa de mim. Explique-me?
- Vou tentar explicar com uma frase do Pastor Henry Melvil “não podemos viver apenas por nós mesmos”. Estamos como homens sociais, construindo muitas coisas como causas, porém, é prudente saber que o devolutivo vem como efeito.
- Como efeito de que!?!
-Deixa pra lá, é complicado explicar por telefone, sobre isso conversamos depois.
- Depois quando?
- Não sei, depois...
Notei objetividade nela, não pelas circunstâncias do momento que, às vezes, nos obriga a ser objetivo, mas pelo desconhecimento do assunto. Eu estava respondendo e querendo respostas imediatas sem, contudo, ser claro. Estava, sem querer, exigindo demais, quando era para estar dando resposta que ela queria. Então, perguntei:
- O que de fato quer saber?
- Já disse, quero saber o que faço, mediante a situação do meu irmão. Já mudei de médico várias vezes. Este atual já é o quinto e não melhora absolutamente nada.
- Qual a idade dele?
- 57 anos.
A lua sumiu e com ela a minha inspiração. Tornei a olhar pela janela a procura da lua. Na verdade, sem argumentos, procurava o que dizer. A lua é dos namorados e não dos parkinsonianos. Ela é um dos símbolos do amor e não da doença. Contrariando a cultura popular, a lua voltou e agora trazia em seu entorno um céu cheio de estrelas. Parecia que queria me ajudar. Então, voltei a ver duas pessoas além de São Jorge, é claro. Imaginação fértil, alucinação dos efeitos colaterais dos remédios... não sei, não sei definir, não sei explicar, somente sei que a lua estava lá e eu permanecia olhando. De repente, alô! alô! Voltei não sei de onde, por isso dizem está no mundo da lua. Respondi:
– Pronto.
- Estou aguardando sua resposta.
- Onde você está, tem lua?
- Claro que tem. Isso não responde o que perguntei. Faço uma pergunta e você me vem perguntar uma besteira dessas. Você parece que não entrou na conversa. Nada entendi do que falou até agora e eu necessito de respostas. Onde você esta?
- Não no mundo da lua, olhando a lua pela janela.
- E o que é que tem a lua com nossa conversa?
- Não sei, mas sei que decora minhas noites, ilumina minha vida, faz parte dos meus sonhos e, hoje, de nossa conversa.
- Como assim?
- A lua está sendo testemunha de nossa conversa.
- Acho que você está desvirtuando nossa conversa! Quero falar da doença de Parkinson e não de lua.
- Quero lhe dizer uma coisa: ninguém conhece a doença de Parkinson. Desde sua descoberta, já vai para o terceiro século sem conhecimento da cura. Temos apenas alguns dados convencionais e remédios tradicionais para o tratamento. Quanto aos médicos, todos passam a mesma coisa, os mesmos medicamentos.
- Não tem diferença?
- Tem muita e muito grande. O médico de Parkinson bom é o que conversa muito com você. É o médico que você se sente um ser humano e não uma mercadoria. É como quem ama que quer ver a pessoa recuperada, que lhe trata como doente-paciente e nunca como cliente. Quando vamos à procura de um médico, vamos à procura de um Deus, ou de um Anjo, um milagre pelas mãos do médico. A fé em Deus pelos caminhos da ciência.
- O seu Parkinson é no braço e nas mãos ou no pescoço?
- Constatei pela pergunta que, além da necessidade de ajuda, havia um desconhecimento geral da doença. Respondi:
- A doença é no cérebro.
- Aonde?
- Na cabeça, dentro da cabeça.
- A doença no meu irmão começou no braço direito, passou para perna direita e depois para o lado esquerdo, na cabeça não chegou ainda não.
- Alô! Alô!
Ouço a voz, insistindo.
- Alô! Você esta me escutando?
Ligação caiu. Alguns segundos depois o celular toca e outra voz feminina com bastante firmeza e convicção que discou pergunta:
- Quero falar com Seu Milton.
- É ele, pois não.
Com a mesma firmeza e um português maranhense escuto com atenção,
Sou secretaria do Advogado Doutor Ricardo Lopes Silva, ele quer falar com o Senhor. Pode atender?!
- Sim.
Conversamos muito tempo sobre a doença e informações, sintomas, idade, tempo de Parkinson etc... No final da conversa, externou a vontade de se associar e marquei uma data para cadastrá-lo. Desligo o celular e imediatamente o visor indica uma chamada e logo toca. Atendo dizendo de imediato.
- Sabia que era você. Vou ajudá-los!
A voz ansiosa de Cristina responde:
- Quando?
Explico a necessidade de fazer o cadastro de ambos e marco a mesma data que marquei com Dr. Ricardo.
Na data marcada ambos compareceram. Rogério veio com a irmã, que o trouxe em cadeira de rodas. Apesar de estar sentado, via-se que era alto, uma pequena calvície em seus vastos cabelos pretos e, apesar de debilitado, ainda permanecia com um corpo bastante forte. Enquanto Ricardo tinha uma ótima aparência e não somente em estatura, tinha também uma semelhança de rosto com Rogério.
Comecei fazendo o cadastro de Rogério. A sala era pequena e comportava apenas nós quatro com relativo espaço. Diante do computador, ao começar a perguntar, no mesmo momento o celular de Ricardo toca. Ele pede licença para atender e, após a chamada, pede desculpa para se ausentar, a fim de resolver um problema de emergência de um cliente, mas deixou claro que voltava. Com Ricardo já ausente voltei a indagar.
Nome: Rogério Lopes Silva. Filiação: Rogério Lopes Silva e Maria Lopes e Silva. Permaneci fazendo o cadastro de Rogério, que a cada pergunta contava um pedaço da vida. Perdeu o Pai com sete anos e a madastra o abandonou. “Quase morri de fome”, dizia com a voz bem aguda. “Comecei a luta pela vida como flanelinha, logo cedo, com nove anos, e, assim, aprendi a ser menino de rua. Um dia, já adolescente, limpando o vidro de um carro, conheci Cristina que vive comigo até hoje e nunca se apresenta como minha mulher, diz que não somos casados. Nunca soube o paradeiro de minha mãe e meu irmão, dois anos mais velho. Consegui um emprego de pedreiro e ela de doméstica. Não temos filhos, mas meu maior desejo é rever meu irmão. Lembro que ele tinha mais cuidado em mim que minha mãe”. Terminei o cadastro e Rogério sua história que também é a história de Cristina a parti da adolescência.
No exato momento que termino, chega Ricardo. Peço para sentar e começo as perguntas inerentes ao cadastro. Nisso, Cristina pergunta ao Dr. Ricardo.
- Moço, como é feita a história de um Doutor? Nós já contamos a nossa, conta a sua! História de doutor deve ser muito bonita e diferente da nossa. A nossa só tem pobreza. Pobreza vem de pobre e não tem como mudar. Quando somos pequenos não tem escola, na adolescência, não temos esperança e adulto, não encontramos trabalho. Quando encontramos emprego, querem nos escravizar com excesso de trabalho, de carga horária, sem pagar os nossos direitos. Rico chega a casa na hora de sua conveniência e vem de helicóptero ou de carro e residem muito mais próximo. Ao chegar a casa está tudo pronto, e ainda tem controle remoto pra isso, pra quilo outro. Vem a esposa e pergunta como foi seu dia de trabalho? Pobre mora na periferia. Ir para casa é um risco de vida, que começa nos alternativos, passa pelos ônibus convencionais e atingi o metrô, todos andam lotados. É um empurra, empurra, um passa, passam aproveitadores, suor e cachaça no ar que se Nelson Rodrigues estivesse vivo escreveria “A Dama da Lotação II”, pois o primeiro foi superado. E quando chega a casa, comumente duas horas depois, em sua grande maioria ainda tem a mulher para perguntar: porque demorou tanto? Passou na bodega? Comprou pão na padaria ou na bodega? Assim é a vida...
Dr. Ricardo olhou para Rogério, riu com a pergunta e começou a contar a sua história, intercalando com as perguntas do cadastro. À medida que ia contando os fatos, nomes começaram a coincidir. Foi um festival de coincidências sucessivas, cada uma mais contundente, deixando uma expectativa de filme de 007. Foi contada toda uma narrativa até chegar aos sete anos quando ocorreu a bruta separação. “A recordação mais triste foi ficar sem saber o destino do meu irmão”, disse. Olhei para Rogério e vi seus olhos molhados com as lágrimas escorrendo pela barba a fazer, seus tremores mais agitados ainda, contrastando com sua alegria e felicidade. Com as mãos nas fichas cadastrais do visor, emocionado, não me contive. Meus olhos tinham o brilho de um farol de milha, mas com um olhar participativo. Minhas mãos descontroladas batiam nas teclas desordenadamente, lendo no visor a filiação, estava diante da tese da hereditariedade.
Os fatos, que originaram a vida dos dois até os 12 anos, foram iguais para ambos. Após isso, Ricardo, assim como Cristo, desapareceu por 33 anos, sem ninguém saber seu paradeiro. Durante esses anos, morou 10 anos nos Estados Unidos, onde aprendeu falar fluentemente o inglês e, voltou ao Brasil, graduado em Direito com mestrado, doutorado e PHD em Direito Constitucional e Direito Comercial. Exercia a profissão Acadêmica. Perguntei a Ricardo do mesmo modo que perguntara a Rogério. Qual seu maior sonho? Ele respondeu imediatamente “encontrar meu irmão”. Então, Ricardo, ainda surpreso com a emoção sentida pela história, e ainda sem saber da história de Rogério, escutou quando Cristina aos prantos afirmou: este é seu irmão, é seu irmão é... Abraçamos-nos e choramos juntos.
CONTO I
A FELICIDADE TRICOLOR
Um minuto, às vezes, não diz muita coisa e essa valorização do tempo que no caso de um minuto depende muito da relação em que está inserida. Em nosso caso, é um minuto de um acontecimento na vida de um parkinsoniano, que vamos chamar de José. José porque se identifica, não somente, com o fato, mas com todos os brasileiros. É um nome, hoje, incorporado à nossa cultura vernácula.
José assistia ao jogo Fla x Flu, um dos maiores clássicos do futebol brasileiro conhecido, como o clássico das multidões, cuja denominação foi criada pelo jornalista e tricolor Nelson Rodrigues. O estádio lotado, uma multidão de gente corroborando com a assertiva de Nelson Rodrigues, tricolor fanático pelo pó de arroz.
José, sentado a rigor, com lenço molhado do suor mesclado de emoção e calor que o jogo oferecia, José tremia com intensidade e sempre observado pelos torcedores adjacentes, até mesmo os mais distantes, pois suas mãos tremiam ao levar o lenço ao rosto, que não havia necessidade de binóculo para ver o tremor de sua mão direita em cada ataque quase sucessivos do Fluminense.
Ao seu lado direito, sentava um jovem e à esquerda, sua esposa e cuidadora. É uma necessidade na vida de um parkinsoniano, e necessidade premente do parkinsoniano, quando casado. Muitos não entendem essa complexidade, mas são para aqueles que têm visão linear. Para explicar, faço uso da frase de Pascal: “considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, bem como conhecer o todo sem conhecer as partes”. As complexidades que envolvem o parkinsoniano é um retrocesso o pensamento linear. As ações e reações dos parkinsonianos são de natureza holística e sistêmica.
Mas sistêmico era o futebol do Fluminense contra a linearidade do Flamengo e o gol podia surgir a qualquer momento. Pois a bola não corria de ponto a ponto, corria de pé em pé até chegar ao gol, sem perder em eficiência. A eficácia chegou com o gol, aos 36 minutos, através do seu mais eficaz jogador: Fred. Um gol de ternura. Ternura sutil em toque, tirando o goleiro e dois zagueiros e de explosão de alegria que comumente começa com a camisa nove tricolor.
No gol, começou, não somente, a emoção de José, mas um pouco de sua aflição que por ironia iniciou na voz. O grito de gol não saía. Fazia força, mas o máximo que conseguia era ô, ô, ô. Ele queria dizer gol sensacional, aliás, qualquer gol de Fred, para ele, era sensacional. Mas só conseguia dizer sílabas soltas e da sua boca escancarada somente saía uma rouquidão notada pela sua esposa. Para acalmar a palilalia*, Dona Vera acariciava seus cabelos, passando os dedos entres os tensos fios. De repente, seu rosto que sorria ao golaço de Fred, transfigurou-se de tal maneira que até Dona Vera surpreendeu-se e a surpresa evoluiu para um choro escondido com pequenos engodos na garganta e uma lágrima na face.
No lugar da emoção, ambos estavam aflitos, mas um conhecia o outro em seus mínimos detalhes, porém aquele rosto estático feito algum comediante participando de concurso de careta, Dona Vera jamais havia visto cena semelhante, pois José, até então, não havia apresentado tal reação. Em meio à tanta euforia do entusiasmo da torcida tricolor, Dona Vera abraçou José, que envolto na emoção do gol e na aflição da crise de palilalia e de hipomimia**, também, não tinha força em seus braços para retribuir a mesma afeição de alegria e dor. Dona Vera, então, pegou o braço direito de José e soltou sobre seus ombros. Para ela, era como se fosse um braço de boneco de pano. Para ele, era como se uma âncora tivesse descarrilada. Mas era isso que ambos queriam estar abraçados na alegria do gol tricolor. A face de José sofria. Não conseguia falar, mas seus olhos como uma câmara percorria todo o estádio e, justamente, na hora em que no lado contrário em que estava a torcida tricolor começava a “ola”. Dona Vera, admirando aquela multidão e como estava de costas para “ola”, lembrou-se de Mário Quintana e balbuciou: “o pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso”. José olhava com emoção a “ola” chegando e respondeu: – você está enganada. Olhe, eles estão nos abraçando.
Foi aí que Dona Vera viu centenas de braços passando em torno deles, e uma nova lágrima caiu dos seus olhos. Olhou para José que estava sorrindo. Sua face de novo tinha as cores tricolores e seus olhos fitavam Dona Vera, e na contagiante alegria do gol tricolor, em meio à loucura da vibração e gritos, muitos literalmente histéricos, e sobre os acordes do Hino do Fluminense, José, ainda, com seu braço direito sobre os ombros esguios e do longo cabelo e pescoço que caracterizam o perfil físico de Dona Vera, sentiu o quanto era tricolor de coração, cantou o refrão e disse aos gritos: - EU TE AMO! Dona Vera assustada beijou e perguntou: - o tricolor?
*Palilalia - Peculiar distúrbio da fala, que se caracteriza pela tendência de repetir palavras.
**Hipomimia Facial - distúrbio e rigidez da musculatura da face.
CONTO II
CELULAR
- Como vai, Gut?
- Está se separando.
- Por quê?
Dr. Sérgio resolveu quebrar a monotonia da conversa e, com uma tapinha no ombro do amigo, com os olhos ligados no horizonte, foi afirmando:
- Olhe, como eu, o horizonte. Olhe até onde a vista alcance. Sabe o que vem depois? Nós sabemos por que conhecemos a estrada. Eles, nossos filhos, não conhecem além do horizonte. Apesar de toda a tecnologia, que ambos usam, são limitadas suas consciências sobre a família. Não vão além de onde a vista alcança.
- Você afirma isso com nossos filhos com tanta propriedade, fundamentado em quê?
- Tenho uma pequena história que explica. Uma história que aconteceu comigo e que tenho a ousadia de associar ao momento de separação dos nossos filhos. Mas, antes, vamos conversar sobre o comportamento deles e efetuarmos um comparativo.
- Não acha um absurdo isso? Fazer um comparativo entre seu filho e você?
- Escuta e depois faça com racionalidade sua crítica e, aí, se achar conveniente, absolva-me ou condene. Mas, antes, veja a minha tese, que é digna de apresentação nas mais significativas faculdades de ensino social.
- Estou casado com Dona Lourdes há 40 anos. Nasci na década de 30. Não tínhamos esse aparato tecnológico dos dias de hoje e nem imaginávamos tanta sofisticação, nem em sonhos. Não realizávamos o que hoje temos em nossas mãos, aproximando-nos com veemência um do outro (mostrando o celular). Hoje, não é mais celular é um cérebro em forma de máquina. Ou uma máquina com o cérebro dentro. Todos têm um celular. Passou de objeto supérfluo para uma necessidade, para alguns, instrumentos de trabalho. Para os mais jovens um vício que começa a preocupar os estudiosos de saúde e qualidade de vida. Para as crianças, um brinquedo; para os adolescentes uma máquina de violência; e para nós, idosos, um grande percentual, ainda, não usa e os que usam ou deixam em casa ou esquecem no carro, ficando uma pequena margem, que ao comprarem, vivem solicitando aos filhos o manejo de seus sofisticados recursos. Para as mulheres, além do uso necessário e habitual, são peças ornamentais com capas decorativas.
- Mas você quer contar a história ou fazer análise operacional e social do celular?
- Não posso desvincular o celular da história, é talvez visto por analista o mais importante coadjuvante da nossa história.
- Nossa, não, sua história. Retrucou Erasmo.
- É nossa, pois envolve sua filha.
- Com as mãos tremendo e braços estendidos sobre o ombro direito, quase inerte, caracterizava ser portador de Parkinson, Dr. Sérgio com muita emoção iniciou a história.
Adquirimos desde o início do nosso namoro um hábito salutar de nos encontrarmos no mesmo local em que nos conhecemos. Esse hábito, ainda, temos até hoje. Dezena de vezes, estando sozinho, ainda, solteiro me deslocava até o local. Muitas vezes ela chegava antes de mim, o que me proporcionava um prazer ainda maior. Não era a satisfação de vê-la, era prazer que se manifestava no meu sorriso e se concretizava no dela.
Esses momentos eram frequentes tanto provocados por mim quanto por ela e estavam intrinsicamente ligados à situação do momento em que vivíamos. Ou seja, estava diretamente relacionado ao clima do nosso relacionamento e isto foi no namoro, no noivado e que conservamos até hoje. Havia, porém, uma incidência muito grande quando brigávamos, então, cada um queria ir ao local. Lembro que, muitas vezes, chegávamos igual, e nunca saíamos brigados. Nunca retornamos sem fazer as pazes, nem mesmo ficávamos em silêncio, exceto, quando ambos decidíamos fazer reflexão sobre nossos comportamentos. Depois, vinha o planejamento que fazíamos detalhadamente.
- O que tem a ver Gut, Madalena e o celular com sua história?
- Lembra-se que mandei olhar para o horizonte.
- Sim, lembro e quero saber aonde vai colocar minha filha. Antes ou depois do horizonte.
- O problema, insisto, está em que nem Gut nem Madalena passaram do horizonte.
- Essa história do horizonte é da sua geração. A geração dos anos 30 e você insistem em fazer um liame com nossos filhos. Nossos meninos são de hoje, estamos em 2012, são novos tempos, nova realidade. Escute a música do seu tempo e a música de hoje. Tem condições de fazer comparativo entre Ataulfo Alves e o Bel de Chiclete com Banana; Luiz Gonzaga com as bandas de forró. Isso só na música, temos mais dezenas de exemplos. Se enveredarmos por outros segmentos, vamos nos assustar com tanta discrepância que você, amigo, vai tremer e não vai ser do Parkinson.
- Parkinson não me faz tremer. O que me faz tremer, ainda, é a linha do horizonte que me parece que você também não teve lá. Não vi momento algum seus olhos alcançarem o horizonte.
- Não quer me dizer que, além de culpar minha filha, quer me culpar também! Está insinuando que a separação de nossos filhos é fruto da educação que dei a Madalena.
- Calma, Erasmo. Não estou culpando você nem tão pouco nossos filhos. Lembra-se da festa que realizamos há dois anos?
- Sim, lembro-me! Foi uma festa magnífica.
- Vamos reportar mais dois anos antes do casamento.
- Foi o noivado. Aonde meu amigo quer chegar?
- Quero lembrar que, naquele dia, recebi pelo celular de sua filha a notícia que meu filho havia pedido para noivar com ela. Ela fez o mesmo para sogra. Na conversa, perguntei qual foi o dia do pedido. O que ela respondeu prontamente:
- Ontem. De imediato, respondi:
- Ontem, ele passou o dia em casa. Surpreendentemente respondeu em cima da bucha:
- Fez o pedido pelo celular.
Com um olhar de indignação, Erasmo indagou:
- Quando soube que eles iriam se separar?
- Quando Gut me comunicou pelo celular, instantes antes de você chegar. Madalena também logo depois me comunicou também pelo celular.
Nesse exato instante, o celular de Erasmo toca. Era a filha comunicando ao Pai a separação. Conversaram alguns minutos e observei que, a cada minuto, mais taciturno ficava. Quando desligou, olhou para mim, deu-me um abraço e se foi...
Minha reação foi de ir para o lugar em que sempre fui. Sempre havia sentido essa necessidade, mas nunca alienado a meu filho, sempre a motivação era a mãe dele. Pela primeira vez, meu filho era o pivô que me conduzia ao banco do bosque. Ali, fazia minhas reflexões e quase em sua totalidade com Dona Lourdes. O lugar ela adorava. Ficávamos horas a fio, conversando e admirando o cantar dos passarinhos, eram dezenas e dezenas, mas Lourdes conseguia ver centenas. O mesmo acontecia com as frondosas árvores e com as borboletas. Sentíamos como abraçados pela natureza. Quando me aproximava do bosque, aproximadamente a uns 50 metros, seguindo em passos lentos, seguia Dona Lourdes. Diminui meus passos e fui seguindo. Quando cheguei, encontrei-a sentada, olhando a alameda das flores e borboletas que se misturavam num colorido só. Nosso bosque, não era o de Bergana e nem o de Alaim Fornier, mas possuía, para nós, a mística de um e o sonho do outro. Era a soma de nossos devaneios, realizações e sempre foi o espaço das nossas problematizações. Todo casal tem que ter seu espaço. Esse espaço tem que ser real, uma vez que os sonhos e problemas são reais e acontecem nele. Os sonhos são planejados e os problemas administrados.
Lourdes tentou me dizer alguma coisa, mas não conseguia. Com o olhar estarrecido, resolveu me perguntar:
– O que faremos?
Ainda, atordoado não sabia por onde começar. Olhei para Lourdes, para as borboletas e para os pássaros que desciam em voo rasante, quase aos nossos pés. Olhei para o alto e, nesse permanente olhar como quem quer buscar respostas na natureza, percebi que os olhos de Lourdes me acompanhavam. Foi quando ela com um sorriso um pouco maroto indagou:
- Está vendo o que estou vendo?
Notei que ela sabia que havíamos olhado as mesmas coisas, então, resolvi repassar a responsabilidade com a mesma pergunta e complementei:
- Por quê? Acha que devemos ver a mesma coisa?
- Porque, além de olharmos juntos, temos que administrar o mesmo problema.
- Sim, de fato, você tem razão. Mas ouvir que é amado é bom... Sentir-se amado é multiplicar esse sentimento e para isso necessitamos de espaço. Qual o espaço de nosso filho?
- O celular.
- Temos a mesma visão, porque vimos as mesmas borboletas... Os mesmos pássaros... Em todos vimos a comunicação nas suas formas mais efetivas e naturais com o bico, com a boca, com os pés, com a língua. Vimos que até as árvores também se tocam... Hoje, estão trocando as formas mais primárias de comunicação pela internet e o instrumento mais abusivo é o celular, mudando o comportamento. Estamos invertendo os valores ou banalizando.
- Escutei uma vez Gut, dizendo a Madalena “eu te amo”.
- Pelo celular?
- Sim, esse é o bosque deles.
Um corpo sem alma não vive, o homem pode criar os mais sofisticados instrumentos para nosso uso, mas nunca vai dar sentimento que impulsiona a iniciativa de ser feliz. Essa iniciativa é pessoal de cada um e o espaço escolhido tem que ter vida. Nosso bosque tem vida. Tem os elementos que compõem a vida: água, ar, terra e calor.
- Sabe o que faz a diferença?
- Sei, em nosso bosque conversamos, conversamos, muito para esquecer e perdoar...
- Eles deletam.
Lembro uma amiga que colocou no meu “Face” um slide com a seguinte frase: “A cabeça não apaga o que o coração gravou”. Curti muito. E comentei: “no entanto o coração perdoa o que o cérebro gravou”.
BODEGA
Este é meu terceiro conto e foi inspirado em um email de domínio publico que recebi como também na poesia de Jessier Quirino “PARAFUSO DE CABO DE SERROTE”
Gustavo, Luiz e Moura são amigos de muitos anos e sempre estão se encontrando habitualmente na tradicional bodega de Seu Pedro muito semelhante com a declamada em prosa e verso por Jessier Quirino. Moura era o único conhecido e chamado pelo sobrenome em virtude de ser filho da tradicional e respeitada Família Moura, que dominava a economia em toda região do meio rural aos serviços nos grandes centros urbanos. Mas esse status não combinava com Dr. Carlo Moura Andrade, que alem de medico com alto conceito era Prefeito da segunda cidade do Estado, e como os demais gostava de uma prosa na bodega.
Os assuntos apesar de serem os mesmo, nunca esgotavam sempre tem um novo político corrupto nas manchetes, um novo artilheiro se revelando, um craque surgindo, e uma musica explodindo no Youtube. Porém apesar do acervo de novidades do dia a conversa versava sobre informática. Gustavo era o mais entusiasmado, sempre foi um assíduo internauta, desde o seu primeiro computador 286, que ainda preserva em seu escritório como peça decorativa. A web veio para contribuir no desenvolvimento da humanidade, a comunicação mudou, pois a oferta de experiência e informação é inesgotável no uso dessa parafernália fantástica. Gustavo como administrador sabia da obrigação e necessidade de conhecer profundamente computação e às vezes socorria os dois amigos em alguns casos no PC de ambos, era pra ele um hobby e uma descontração solucionar pequenos problemas que comumente ocorre tanto na maquina quantos no software. Gustavo dominava ambos
Dr. Moura sabia da eficiência do amigo e escutava atentamente e até afirmava que a informática hoje é obrigatória seu uso em todo contexto e batendo no ombro do amigo Luiz principalmente na sua atividade. Luiz era professor da velha geração e era o único que não dominava bem o uso do computador e sua operacionalidade. Em casa nas dificuldades recorria a filha viciada no Facebook. O novo vicio dos jovens.
Gustavo então retomou a conversa e dizendo que o computador foi sua salvação no passado e no presente. No passado porque tinha dificuldades com matemática e nas elaborações de projetos de tal forma que já havia passado por três empresas onde era reconhecido como excelente profissional, mas com grande deficiência em calculo. O advento da planilha foi minha salvação e hoje ocupo um cargo de executivo numa multinacional com ótima remuneração e estabilidade.
Depois me salvou quando fui acometido da doença de Parkinson e perdi a capacidade de escrever. Novamente o computador me salvou, pois digito muito bem.
Na mesa uma caipirinha, uma cerveja e uma dose de Whisky em um copinho de servir aguardente e ao lado um copo com água de coco. A caipirinha de Luiz, a cerveja do Dr. Moura e o Whisky de Gustavo. Dizia que era para degustar o gosto do Whisky sem misturar e a água de coco para repor os nutrientes.
Seu Pedro debruçado no balcão de madeira descascada, estava atento a toda a conversa e entre as duas torres de vidros chamadas de vitrines, com perfumes, sabonetes e outras minhuçadas e em frente a balança filizola com seus dois pratos reluzentes, próximo a segunda vitrine de pão doce, tareco e sequilho e cocorote, e caldo de cana. Que Quirino esqueceu com certeza de citar. Entre as meias dúzias de portas arqueadas e o reflexo da sombra da grande ingazeira na esquina seis peões com curiosidade escutavam atentos a conversas e abordagem de Gustavo. De repente o Dono da bodega com a voz altaneira do sertanejo acostumado a ser escutado e respeitado pela sabedoria popular dirigindo-se a mesa pediu com a humildade que lhe é peculiar para contar um historia.
Os peões fizeram silencio, Dr. Moura pediu mais uma dose, e um suspense tomou conta do ambiente. Era sempre assim, quando seu Pedro pedia para contar suas historias. As vezes parábolas, outras vezes metáforas, ou analogias e em sua maioria historias do passado da cidade. Seu Pedro era respeitado também pela idade de 70 anos que se transformava no instrumento de saber empírico, pois não havia estudado. Fazendo uma breve pausa em suas palavra metodicamente planejada foi falando de um amigo que conhecera a 20 anos, quando chegou vindo como retirante da seca, pedindo ajuda. Casado pai de dois filhos de repente se viu desempregado, pois seu patrão também sofria a drástica conseqüência da longa estiagem que há dois anos castigava o sertão do semi-árido nordestino. Francisco de Nega, assim era conhecido embora seu nome de batismo fosse Jerônimo.
Chegou a cidade procurando trabalho, sua rudeza na pele o identificava como sertanejo nato, e sempre havia trabalhado como empregado rural denominação nova das atividades antigas, explicou seu Pedro. E justificando que antigamente, eram denominados de proletariados rurais, depois mudaram para mini produtor, em seguida de pequeno produtor rural e hoje chamam de agricultores familiares. Francisco herdara de seu pai 03 hectare de terra das quais apenas 01 hectare era cultivável daí a necessidade também de trabalhador autônomo, parceiro, meeiro e agora também pertencia ao MST, pois havia vendido sua pequena gleba de terra. Homem com essas características recebeu o nome de jagunço, por Euclides da Cunha ao escrever a historia de canudos na tentativa de relatar a grandeza do nordestino e sua luta pela vida.
Francisco desprovido de tudo deixou a família embaixo do viaduto principal da cidade e foi procurar trabalho, passou em dezenas de residências em casas de fartas riquezas, jardins floridos que ficava minutos a admirar, em dezenas de empresas de vários segmentos, nada, tudo em vão. Desesperado entrou sem saber numa loja de informática, era um vasto galpão repleto de material que ele conhecia de ver nas fazendas em seus escritórios, mais nada sabia nem para que atividade. Indagado na portaria que atividade possuía mais habilidade respondeu :
- em tudo
- tudo o que?
- tudo
A recepcionista mais pela solidariedade que praticava, mandou para a entrevista.
Espantado com o conforto e o frio da sala, os carpetes nos quais pisava, longos espelhos, e cada corredor que entrava eivados de portas de um lado e do outro o deixava cada vez mais assombrado. Ate que uma porta abriu a sua frente sem o funcionário tocar, ai então ficou perplexo com o que perguntou se a porta era mágica.
Ao ingressar na sala mais surpresas com o aparato tecnológico a sua frente. Foi convidado a sentar numa confortável cadeira. A sua frente o entrevistador e ao fundo um televisor de 50 polegadas, mostrando seu rosto e outros ambientes da salas e pessoas circulando em seu entorno.
Foi quando o entrevistador formulou a primeira pergunta.
- Qual a sua profissão? Há quantos anos trabalha na mesma atividade.
Com um olhar fixo na mesa, evitando olhar para o entrevistador respondeu.
- trabalho a 30 anos
- planto e colho?
- como produz?- com trabalho em parceria consigo a terra, na cooperativa o adiantamento, e com ajuda da assistência técnica recebo toda as orientações .
- qual motivo deixou o campo?
- há três anos que não chove, tive que vender minha glebinha de terra para sobreviver de parceria, mas a seca é grande e já afetou os grandes que estão mandando embora nós trabalhadores. Se o Senhor viajar pelo sertão donde moro, vai ver muito animal morto de fome e sede, alem disso os campos com galhos secos e retorcidos como dezenas de mãos pedindo clemência. Esperei a chuva até o dia de São José, e ai peguei a estrada e vim com dezenas de retirantes. Aqui chegando nos espalhamos nos acervos do viadutos, e órgãos públicos. Tem muita gente vindo nas estradas é uma procissão de fome e sede nas estradas.
Sensibilizado pelas palavras de Francisco, e reconhecendo a capacidade de trabalho aliado a necessidade determinou ao setor de pessoal que procedesse os teste convencionais da empresa.
Com muita dedicação e eficiência concluiu todas as atividades de limpeza que foi determinada, inclusive o galpão onde iria ser realizado o armazenamento das maquinas e equipamentos para a realização da exposição. Voltando ao setor foi parabenizado pelo êxito das tarefas e logo em seguida esclarecido que foi aprovado e que seria necessário fazer o cadastro. Após as informações básicas necessárias foi então solicitado o email. Tendo Francisco perguntado o que era email.
- Nós somos uma das maiores empresas de cibernética do mundo, e toda a nossa cultura se desenvolveu através de email. Nossa comunicação, diretrizes, ofícios é toda realizada por email e enfatizou é uma obrigação estatutária, portanto institucional.
O Senhor não tem email?
- Não Senhor, não tenho, e nem sei o que é, só sei que quero trabalhar.
- sem email não podemos admitir, dize constrangido o responsável.
Francisco saiu desesperado, vagando pelas ruas sem rumo, não sabendo o que fazer de repente avistou de longe uma placa de Fanta encardida e logo reconheceu a bodega da rua enladeirada que ficava bem próximo ao viaduto onde havia deixado sua família.
Seu olhar triste e seu corpo rejuvenesceu no mesmo imediatismo de suas necessidades para si e para a família. Seguiu subindo a ladeira que La na frente se declina e de cima do viaduto viu sua família, esperando como se espera a própria esperança de viver. Chegando a bodega de Seu Pedro, pegou um tamborete e olhando a bodega e observando o sortimento de ofertas, meia dúzia de frascos de confeitos, carrossel de açúcar dos guris, querosene nos barris, onde a gata amamenta a gataiada. Pensou, tenho que agir. Vasculhou toda roupa ainda suja de trapos do mato ardido e do pó vermelho da estrada e contando as poucas notas de um real e as moedas que cabia todas num saquinho de plástico, somando tudo dava dez reais, era tudo o que tinha. Olhou uns caibros servindo de escoras, a umas prateleiras que tinha não sabia qual Nossa Senhora, com um jarrinho de louça bem do lado.
Então investiu tudo em tomate e dessa vez desceu a ladeira oferecendo de casa em casa os tomates. Em poucas horas conseguiu vender todos os tomates e retornou a investir e a vender de porta em porta. Voltando no final da tarde verificou que havia feito boas vendas e logo comprou um balaio com o qual encheu de tomates para vender no dia seguinte. No percurso de volta arrancou umas flores de plantas nativas num terreno baldio e levou para colocar no jarrinho de Nossa Senhora. Com semanas de trabalho já vendia em seu carro de mão, prosperando cada vez mais adquiriu uma moto e uma pequena carroça, depois comprou uma camioneta e foi prosperando a cada dia, mês e anos.
Passado dez anos recebeu a visita de um vendedor de seguros, que explicou todas as vantagens para os negócios, para os clientes e para a empresa. E revelou não entender como um prospero comerciante dono de uma frota de caminhões e de toneladas de produção de tomates não tinha seguro. Convenceu seu Francisco que ficou até entusiasmado para fazer o seguro e foi convidado a fazer o cadastro, quando foi indagado pelo vendedor qual o endereço do email.
Seu Francisco ficou em silencio, o que surpreendeu o vendedor que voltou a perguntar.
- qual o endereço do seu email?
- o Senhor não tem email?
- Se eu tivesse email, hoje eu era ASG de uma empresa de informática.
Domingos Sávio Azevedo Cabral
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