Eu a FÉ e o PARKINSON
Sempre pela manhã faço minhas orações. Já é um hábito cotidiano. Oro escutando cânticos e cantando, alternando, assim, com orações de preferência os salmos; realizo o conselho de Santo Agostinho: “quem canta reza duas vezes”.
Rezo sempre o Salmo 5 (ao mestre de canto), e não é meramente por casualidade, mas pelo fato de ser concomitante a oração de Davi, e por se aproximar da minha realidade e de ser a forma que encontro para chegar mais perto de Deus na minha oração matinal.
Interessante. que nessa intercalagem, muitas vezes, ocorrem momentos de fraqueza que, mesmo rezando, me vem como uma ducha a esfriar a minha fé. De certa forma, arrebentada pelo Mr. Parkinson. Um intruso contra a fé, mas reconduzida pela própria oração. “Senhor, ouvi meus gemidos. Atendei a voz de minha prece. Ó meu rei, o meu Deus.”, começa, novamente, prevalecer a minha fé. E prossigo em minha oração. É a voz que invoco o Senhor, desde a manhã; escutai a minha voz, porque, desde o raiar do dia, vos apresento minha súplica e espero.
Neste intervalo da oração, faço uma pausa para uma reflexão. Essa pausa é mais uma fala com Deus, seguindo, intrinsecamente, a música: “seja qual for o seu problema, fale com Deus...”
Senhor, como sabes, perdi minha saúde. Um intruso vem paulatinamente destruindo minha dopamina, que usa o nome de seu descobridor, está hospedado em meu cérebro e, até hoje, não existe nem no ramo farmacológico, nem na tecnologia médica, algo que possa expulsá-lo, do meu cérebro. Pensava, Senhor, que o meu coração era de Maria e o cérebro pertencia a Ti. Pensava que, hoje, com tantos comparativos que fazem no universo da ciência da informática, que o cérebro era algo divino, que nenhum aventureiro pudesse entrar. No entanto, tenho, hoje, o cão com o nome científico bonito e um nome de fantasia Mr. Parkinson, como se meu cérebro fosse um eterno carnaval com desfile de fantasia. Quero que saibas que o tenho em meu cérebro, mas não domina a minha vontade, minha fé, nem, tão pouco, prevalece sobre o primeiro mandamento que proclamaste ao mundo.
Meu coração, ainda, é de Maria. Tenho quatro Marias, (esposa e filhas), que me compreendem, mas também, refutam esse intruso. Tenho, de todas as formas, tentado administrar a situação, que é progressiva e degenerativa, e não sei como parar. Vou te dizer em que situação está.
Há dois anos e meio, meu corpo serve como hospedeiro, e sinto que, apesar de planejar a convivência com ele, há um progressivo avanço em minha coordenação motora, pois é ele que destrói as dopaminas, o que aumentam meus tremores nas mãos, provocando, em muitas situações, constrangimentos. Ele, também, é o responsável pelos movimentos involuntários que surgem em meu corpo, e a dificuldade de controlá-los, provocando uma lentidão que envolve o sentar, ficar de pé e andar. Os meios acadêmicos chamam com um nome bonito “bradicinesia” e nós de dificuldade, adversidades e outros adjetivos.
Para rezar, eu me deito. Em outra oportunidade te digo por que, também, parte de minha oração é feita deitado. Rezo sentado, andando e, ainda, em minhas caminhadas rezo cantando. Levo o MP3 de minha filha e vou cantando com o fone no ouvido. Senhor, é a parte que mais gosto. Tenho praticado pouco, mas preciso intensificar.
Continuo trabalhando. Tenho feito, assim, para combater os estereótipos negativos e exercitar a competência da labuta diária em seus três aspectos mais importantes: a) controle do corpo; b) controles emocionais; c) habilidades cognitivas. Mediante a essas iniciativas, vou dirigindo meu dia a dia, que tem contribuído, de forma decisiva, para minha vida no contexto familiar, onde, necessariamente, requer sucessivas mudanças e precipuamente ajuda no controle da doença. Compreensão e controle familiar tenho tido abundantemente.
Apesar de todas as adversidades que a doença me impõe, estou lutando e começo planejando a minha convivência com o Parkinson. É necessária a organização do meu cotidiano com esse intruso, dadas as características progressivas e degenerativas que ele causa. Enfim, vem a necessidade de mais uma função, coordenar a evolução da doença, que tenho feito através das prescrições médicas, seguidas literalmente, com os exercícios físicos e fisioterapêuticos. Por último, tenho procurado conter tudo, que vai das pequenas irritações às angústias, e não esquecer que, também, passa pela fraqueza da fé e, justamente, por isso selecionei o Salmo 5 que inicia, pedindo sua clemência, conclui-se com a fé.
“Regozijem-se, pelo contrário, os que em Vós confiam. Permaneçam para sempre na alegria. Protegei-os, e triunfarão em Vós, os que amam vosso nome. Pois, Vós, Senhor, abençoai o justo; vossa benevolência, como escudo, o cobrirá.”
Este é meu problema, Senhor. Amanhã, contarei mais um pouco, pois todos os dias há novidades. É uma característica da doença. Ajuda-me para mais um dia de trabalho.
Faz tempo que queria te dizer isto amigo Savio, desde que li a sua cronica, mudei meu inicio de dia, procurei faze-lo mais proximo de Deus..levanto faço minhas orações , levo minha filha na escola..vou e volto cantando a musica Noites traiçoeiras, do padre Marcelo Rossi, procuro fazer um caminho mais longo sempre louvando e agradecendo, por mais um dia, por ter a meu lado pessoas lindas e amigas..abraços de luz..a tua fé nos consola
ResponderExcluirSávio, acabei de ler o seu texto no blog e está belíssimo e confortador. Agora estou em mãos com o Salmo 5. QUEM NÃO PRECISA DA FÉ? tODOS TEMOS algum tipo de dificuldade e sempre precisamoa de Deus. Yolanda
ResponderExcluirSávio. Conheci seu blog hoje. Tinha comprado seu livro "Observador Paciente" há alguns meses e ontem comecei a ler. Foi no livro que fiquei sabendo da existência do blog. O livro está me deixando uma pessoa mais feliz. Seu livro fez eu repensar nas minhas orações que estavam sendo escassas. Obrigada por ter escrito este livro. Parabéns pela sua atitude. Irany
ResponderExcluir